por que não um Chinelo na Academia ?
Chinelo: o meu imortal.

por que não um Chinelo na Academia ?

Arretado!  Digo eu. Arretado de bom!  Diria ele. Tenho a certeza de que ele gostaria de se ver assim fardado. Não com uma farda do exército. Desse ele dizia não querer nunca. Lembro que era um cidadão livre de qualquer vínculo com a sociedade. Sabia o seu nome e data do nascimento. Apenas. Era assim como costumava dizer o meu bom irmão Dapenha. Um sujeito sem CPF. Eu diria mais:  também sem RG. 

 Mas não pensem que ele se sentia menos cidadão que este MP ou malabarista outros. Era altivo. Andava olhando para os picos mais altos que encontrava em suas caminhadas diárias. Eram edifícios e antenas da operadoras de celular.  Fosse noite ou dia. Não tinha tempo para com o tempo se preocupar. Fosse o tempo bom ou ruim, não estava nem aí. Caminhar. Era  um sujeito movido pelas caminhadas. A distância a seguir não tinha qualquer importância. O caminho? Seguia em frente. O importante para Chinelo era o caminhar. Era a caminhada.

 Um dia, finalmente, disse o seu nome. Isto é, o dele. E se assim o fez, foi porque lhe perguntei. “Chinelo.” Respondeu. Insisti. Não podia ser apenas “Chinelo”, obtemperei. Chinelo de quê? da Silva? dos Santos? “Tá bom. O  meu  nome é João Batista da Cruz!” Não ouvi o “Cruz.” Falara muito baixo. Era o seu comum. João Batista de quê? Fez com o dedo indicador o sinal da cruz. Aquele mesmo do “em nome do pai, do filho e espírito santo”. Cruz? ! Balançou a cabeça.

Eu  gostaria de vê-lo numa academia de letras de  “artes” outras. Essas que os imortais acrescentam apenas para que os amigos também nela se inscrevam e se imortalizem.  Mas Chinelo nada sabia de literatura ou arte outras. A sua arte estava no caminhar.  Se tinha o costume – esse por muitos conhecidos – de  andar com um livro debaixo do braço era  uma mania. Um hábito.   Dissera-me um dia.   O livro ele carregava com a simplicidade e displicência com que o seu cajado carregava. Isso mesmo!  Tinha que lembrar do “cajado de Chinelo!”. Mas, se candidato e eleito, podem ter certeza de que Chinelo saberia honrar a conquista da imortalidade como o mais honesto dos mortais. Por que o apelido de Chinelo para um sujeito que estava quase sempre descalço? Perguntei-lhe,  mas ele não me respondeu.” Sei lá!” Foi assim que  respondeu.

 Outro dia o encontrei se vendo pela televisão. De passagem.  Não era o protagonista da matéria. Apareceu por acaso, assim como por acaso nasceu. Pausa. Isso também um dia ele  me dissera.  A câmera passou e o pegou chinelando – leia-se “andando” – pelo Ponto de Cem Réis. És tu, Chinelo? Perguntei. “Nada a ver comigo!  Aquele em nada se parece comigo!” Não entendi.

Tentei ainda ouvir os motivos dessa sua não identificação com aquele Chinelo da televisão. Mas ante aquele ar de enfado próprio dos que não estão nem aí para o mundo e os seus habitantes, apenas me olhou nos olhos.  Não insisti. Porém, antes que essa vontade perguntar vencesse a minha desistência, saiu com um leve sorriso no canto da boca sem dentes.

Confesso que gostava de falar com Chinelo. Era assim como acontece hoje com os meus botões mais carne do que osso. Só que (soque ?!) Chinelo era um mestre.  Com ele  aprendi a dividir silêncios e compartilhar sonhos. Sinto a sua falta. Mas tomara que nessa sua eterna caminhada, a última, acredito, ele não sinta a minha tão cedo. Tenho muito ainda para caminhar por aqui.

O Malabarista de palavras e Chinelo.

O Malabarista de palavras e Chinelo.

Salve, Chinelo! A sua benção!

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