A Ressurreição de Rafael e eu

A Ressurreição de Rafael e eu

Não se sabe ao certo a data em que a Ressurreição Kinnaird foi produzida. Para Suida, a obra dataria dos anos 1502-1503.[13] Roberto Longhi[1] e De Vecchi[14] antecipam a data para 1501-1502. Camesasca, por sua vez, data a obra da mais densa fase perugiana de Rafael, isso é, 1499-1500.[15] De qualquer forma, há consenso quanto ao fato da obra ser um dos primeiros óleosconhecidos do artista, inserindo-se plenamente no contexto de sua produção juvenil. Isto é confirmado ainda pela cronologia dos estudos preparatórios para a obra, desde muito cedo datados entre 1499 e 1503.[2]

Para a obra em pauta, Rafael parece ter executado ao menos três desenhos preliminares, com esboços dos soldados e da figura do Cristo. Destes, dois encontram-se conservados no Ashmolean Museum de Oxford. Foram atribuídos a Rafael por Robinson em 1870[17] e aceitos de forma praticamente consensual pela literatura posterior.[2] Datados alternadamente entre 1499 e 1503, esses desenhos eram inicialmente considerados como estudos preparatórios para a supracitada Ressurreição de Cristo de Perugino, para a qual Rafael teria colaborado extensamente, segundo o senso comum.[11]

Em 1927, Regteren van Altena vinculou os dois desenhos de Oxford à Ressurreição Kinnaird,[2] o que mais tarde forneceria a Pietro Maria Bardi elementos suficientes para propor a atribuição da obra a Rafael,[18] dando início a um longo debate acerca da função desses desenhos.

Um terceiro desenho, com estudos para a figura de Cristo, encontra-se conservado na Biblioteca Olivariana, em Pesaro. Assinado pelo pintor, o desenho foi descoberto apenas recentemente por Anna Forlani Tempesti, que imediatamente o vinculou à Ressurreição Kinnaird.[19]

Na Ressurreição Kinnaird, Cristo ergue-se sobre um pomposo sarcófago, adornado com golfinhos dourados. Os guardiões, imersos em uma singular mistura de cores fortes e luminosas, contorcem-se de espanto ao presenciar o fenômeno sagrado, em marcante contraste à presença calma e linear do messias na parte central da composição. Rafael utiliza-se do desenho e da simetria para forjar um ambiente complexo e amplamente detalhado, ao mesmo tempo em que se esforça para garantir que todos os pormenores da composição conduzam o olhar do espectador à figura do Cristo.

equilíbrio da obra é obtido através da geometrização ideal da composição: o retângulo central da tumba expande-se em um outro, que circunscreve os quatro soldados. A posição diagonal da tampa do sarcófago, por sua vez, traça as linhas que ligam as personagens, quer no sentido longitudinal, quer no sentido da largura. A animação rítmica da imagem é obtida a partir do gesto de alçar o braço – desencadeado no guardião sentado, à esquerda, até a figura do Cristo -, como se a orquestração compositiva correspondesse a um único movimento. A pequena escala da obra é contrabalanceada pelo acorde interno das personagens, dispostos em uma peculiar configuração espacial que parece dilatar a composição.[2]

Esta singular habilidade no manejo estrutural da composição torna-se evidente também na análise individual das figuras que compõem a cena. O guardião em pé, à direita, retomado de um dos desenhos preparatórios do museu de Oxford, executa um “gracioso rodopio ascendente”[2]. Esse efeito espacial é obtido por meio do deslocamento da perna do personagem para trás, movimento que ressoa no alçar do braço oposto e na rotação da cabeça, que fixa seu olhar no Cristo ressuscitado. Este encontra-se na metade superior do painel, exatamente sobre o eixo vertical central do quadro. É sobretudo nesse intricado jogo estrutural que se percebe claramente a mão de Rafael, como observa J. Barone:

Trata-se de uma qualidade essencialmente coreográfica já evidente no ‘assassino’ da predella Raleigh (O Milagre de São Jerônimo que Salva Silvano e Pune Sabiniano, North Carolina Museum of Art), posteriormente desenvolvida no São Miguel Arcanjo (Louvre, Paris) e maximizada na figura de ‘Heliodoro’ (Expulsão de Heliodoro do Templo, Stanza di Eliodoro, Vaticano). A preocupação com o ponto de equilíbrio figura-espaço circundante, traduzida em uma leve e graciosa estrutura estelar, é uma qualidade tipicamente rafaelesca, alheia ao universo úmbrio, como alheia a esse universo é também a pronunciada perspectiva da tumba e, enfim, a orquestração espacial da obra.

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