E ninguém segurou Rita de Cássia em sua queda…

E ninguém segurou Rita de Cássia em sua queda…

Por Anco Márcio – em 06/03/2006 às 00h00

 


 

 

Era um sábado. Dia de alegria. Dia em que os jovens de dezoito anos, como Rita de Cássia, escolhem para se divertir. Feirinha de Tambaú, um passeio no shopping, encontro com o namorado, uma ida ao cinema, quem sabe um sorvete, e se a grana der, talvez uma pizza, numa pizzaria qualquer, bem movimentada.

As pessoas como Rita, as meninas de dezoito anos, fazem, coisas que os adultos não entendem. Nem aceitam, classificam como revolta, rebeldia, essas palavras que nós, adultos, tanto usamos com relação aos nossos filhos e aos filhos de nossos amigos. Na verdade nós reprimimos mais que amamos.

O sábado, a noite de sábado de Rita, foi triste. Ela passou deitada. Deitada inerte numa “pedra” do IML para a inútil necropsia seu quarto agora está vazio. Repleto apenas de lembranças, de lembranças da menina alegre que perturbava os da casa, e agora irão sentir falta, muita falta, de sua perturbação.

Rita, menina danada, pra que ir embora desse mundo tão cedo e de forma tão estranha?Tu sabes muito bem que pessoas não têm asas, que gente não tem o poder de voar pelo espaço, de pairar perto das nuvens, de chegar quase perto de Deus. Voar é com os pássaros menina Rita, tu não sabias?

E agora? Uma viagem sem retorno, uma ida sem volta, uma vida cortada pelo meio, muitos sonhos despedaçados na calçada do edifício Burle Max, onde moravas em Miramar. Sem Deus? Creio que não… Meninos e meninas de dezoito anos, sempre têm um Deus guardado no bolso esquerdo do colete, ou no punho da manga…

Há mais de trinta anos que trabalho com adolescentes, de 15, 16. 17,18 anos. Eu faço teatro com eles, eu tento ensiná-los a viver outras vidas no palco, já que a deles próprios, é tão difícil de representar. Representar a si próprio é o mais difícil papel que se pode dar a um ator.

E agora? Um quarto imensamente vazio, uma cama enormemente vazia, uma solidão angustiante, pois se sabe que Rita nunca mais voltará ao nosso convívio. Rita certamente está com Deus que perdoa os suicidas de apenas dezoito anos, que querem voar como pássaros implumes.

Rita de Cássia. Poderia ter sido uma de minhas alunas, uma de minhas “meninas” como eu chamo, uma dessas meninas de busto pequeno, cabelos longos e pernas esguias que me chamam de “professor” e me dão com essa palavra uma imensa responsabilidade. Eu posso até ensiná-las a representar, mas nunca o difícil ofício de viver.

Era um sábado. Dia de alegria. Dia de festa. Dia em que as meninas de dezoito anos escolhem para se divertir, namorar, tomar sorvete ir à praia. Rita quis brincar de pássaro, quis voar, pulando de um oitavo andar. Mas não conseguiu. Rita, menina levada, quantas vezes tua mãe te disse que voar é com os pássaros?

Essa crônica vai para Rita de Cássia Lopes, de apenas dezoito anos, que se matou sábado passado. Que Deus tenha piedade de sua alma de menina

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