“E nuvens lá no mata-borrão do céu chupavam manchas torturadas*(ALDIR BLANC)

“E nuvens lá no mata-borrão do céu chupavam manchas torturadas*(ALDIR BLANC)

Manhãzinha sem graça essa segunda-feira. Ligo a “máquina de fazer doidos” que o Stanislaw Ponte Sérgio Porto Preta descobriu primeiro, a televisão, e recebo a notícia, atiram em minha cara meio esbranquiçada – parece impossível!  – Pela falta de sol: morreu o Aldir Blanc, que ficará na história da nossa melhor MPB, vitimado por esse vírus que graças a Deus não veio para ficar.João e Aldir

Não tenho dúvida de que Aldir em sua passagem por aqui, foi o melhor – todo o respeito a Paulo César Pinheiro, que com ele formava dupla – letrista da MPB dos nossos tempos. Um letrista/cronista do cotidiano, guardadas as proporções, tão bom como fora um dia Noel Rosa.

Todos sabem um pouco e muitos lembram a sua (e do João Bosco) “O bêbedo e o equilibrista”, aquela mesma que fala do “irmão do Henfil”. Apenas. Mas Aldir era um letrista eclético. Tinha outras pérolas. E apesar de “Rigorosamente ateu, cético, cínico e escroto, nessa ordem”, como costumava dizer, antes de tudo era um compositor genial.

Aldir Blanc conseguia com as suas letras, todas eivadas das lembranças gostosas de sua vida de boêmio e observador de ruas e morros do seu Rio de Janeiro, muito carioca, sempre bem-humorado, contar a história por meio de seus vagabundos, bêbedos, equilibristas, mares, corsários, corações aos pedaços, e até de uma indefectível “ ponta de um torturante Band-aid no calcanhar”

No entanto, foi a sua e do João Bosco, “O bêbedo e o equilibrista”, que fez com que eles – sejamos Eu Plural – entrassem na memória do povo brasileiro e da nossa melhor música popular, para nunca mais dela sair. Embora tenham outras pérolas, essas também “imortalizadas” pela voz diferenciada de Elis Regina, como “Mestre-sala- dos mares” e “Dois para lá, dois para cá”, outras foram gravadas por outros intérpretes, e nos encantam até hoje.

Mas chega e agora chega mesmo. Tá tudo aí. Perdemos o letrista-mor da MPB. Eu poderia citar dezenas de versos escritos por esse excelente cronista que o letrista engoliu. Isso mesmo: o letrista mandou o cronista tomar as suas com a sua imortal “simpatia é quase amor” dos morros e bares. Entretanto, para não dizer que não citei o meu verso preferido, fico com essa que serve de título para estas minhas mal-traçadas, em homenagem a esse mestre.

Desde o primeiro dia em que li –  sou muito de “ler as letras” das nossas canções –  “E nuvens lá no mata-borrão do céu chupavam manchas torturadas”, entreguei os pontos: não tem para mais ninguém!  Que imagem! Que figura! E estava certo: não tinha mesmo.

Como foi a descoberta do verso? Explico. Foi assim. Lembro que o ano era o de 1977, A composição, porém, somente seria gravada, por Elis Regina, em 1979, no seu LP “Essa Mulher”.  Nesse mesmo ano, 1977, não esquecer, também morria Charles Chaplin, o criador do imortal Carlito, que seria homenageado nessa composição, como era a ideia inicial do parceiro João Bosco.  Ele tinha a melodia pronta, e começava a rascunhar uma letra.

-  ’Só que, casualmente, encontrei o [cartunista] Henfil e o [violonista e compositor] Chico Mário, que só falavam do mano que estava no exílio. Cheguei em casa, liguei para o João e sugeri que criássemos um personagem chapliniano, que, no fundo, deplorasse a condição dos exilados”.

Esse foi o Aldir Blanc contando um pouco de sua mais famosa letra da história da Melhor Música Popular dos nossos dias. Se fará falta? Em todas as letras: está fazendo. E desde já.

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2 comentários

  1. Belíssimo texto, caro irmão, assino em baixo. A lembrança do Paulo César Pinheiro é bem apropriada e me deu até arrepio pensar que a gente perca esse outro “monstro” também, pois, por coincidência, estava vendo na semana passada clipes de entrevistas e músicas desses dois… estava também lembrando ao meu irmão, Gilson, não deve ser à toa que Aldir seja do Estácio, que revelou outros 2 grandes ídolos, compositores, cronistas da nossa música, tais com Gonzaguinha e Melodia. Putabraço.

    • Humberto

      ah, meu bom irmão, ele, em se tratando de letra, era o cara! o paulo césar é ótimo, mas ele me dizia mais! era mais 1berto! um poeta, na verdade! também,, como falei, era um excelente cronista que o letrista engoliu. no mais, te cuidas! temos muita coisa ainda para fazer! espero novos vídeos! putabraço pra vocês!

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