O dia amanheceu bonito como se estivesse a brincar de “cobra cega ” com uma manhãde sol! Uma manhã de férias!
Nesse exato momento como uma tapioca molhada de café. Um cafezinho quentinho feito raio de sol, e uma tapioca genuinamente nordestina. Corpo de massa e alma de coco!
A minha tapioqueira preferida é craque no espalhar da massa na sua – dela – frigideira quentinha. Uma “craque” meio a uma seleção medíocre.
A minha tapioqueira diz que – sente, sente- tá ficando lenta. Não me preocupo. Não tenho pressa. Sempre andei devagar. E a pressa de fora não me interessa.
Está devagar. Repete. Não é preguiça, acrescenta. É o peso dos anos que se espalha pelo seu pequeno corpo. Frágil corpo. Ver-se melhor nos seus olhos cansados do mundo. . Sente-se.
Tomo o seu café com o gosto de primeira vez. Sempre. Fica feliz com a minha confissão. O seu – dela – café tem gosto de uma manhã que acabou de nascer. Fresquinha. Manhã que acabou de sair do ventre do dia.
A tapioca desce com o gosto de água de coco fresquinha, sob um sol de meio-dia. Nunca entala! O coco da tapioca? Ah, branco como o chapeuzinho que usa apenas para mostrar que é limpa dos pés à cabeça.
Nisso acredito. Melhor: acredito nela por inteiro. É limpa assim como morando nesta cidade fora a minha Dona Chiquinha. E assim, hoje noutra cidade, continua.
Não recebe o pagamento sem um saco plástico evolvendo-lhe a mão magra e trêmula. E limpa. Percebo. “O guardanapo”. Aponta-me com o olhar descansado. O perfume na mão tira o gosto da tapioca, o cheiro. Avisa-me.
Tem razão. Nenhum perfume se compara ao cheiro da tapioca assando na sua frigideira quentinha. Uma tapioca que ela inventa. Um cheiro que não vem de fora. O gosto ? Ah, o gosto! Esse tempera e dar o cheiro que se deseja!
Não falta muito para “aposentar” esse que somente ela sabe inventar. Está cansada. Afinal, são 85 anos de história e quarenta e cinco contando histórias e “inventando” tapiocas.
Ontem, sexta-feira, um moço chegou lhe oferecendo um botijão de gás. O preço? Uma pechincha! Estava precisando vender o único botijão de gás que tinha em casa, para comprar comida. Desconfiou. O moço trazia o botijão “escondido” em sacos plásticos!
“Ora!”… Disse esse “ora” aí baixinho, era como se estivesse com vergonha de dizê-lo. Acrescentou:
- Quem deseja vender o que é seu não precisa esconder!
O moço escondia.
Disse-lhe ttambém que estava com fome.
- O senhor quer uma tapioca com café?
Ofereceu.
O moço aceitou. Sabia que ele não iria pagar. Não tinha como. Se vendesse o botijão…
Mas não tinha problema, disse em seguida. Agora num tom um pouquinho acima. Fosse para matar a fome do mundo faria tapioca dia e noite. Sorrio. Ela também. Um sorriso baixinho, sem alarde. Um tipo que não deixa marca do sorriso rosto.
Sabe que gosto de ouvir suas histórias. Quem lhe disse ? Ninguém. Sabe e… pronto! fim de papo? Ainda não.
Sobre a mesinha deixo o pagamento. O gosto do seu – dela – café com tapioca faz mais gostoso o meu dia. O cheiro ?! Esqueço o perfume. Prefiro o da tapioca.
- Vai com Deus, meu filho, até amanhã!
Aceito o seu conselho. Fui. Mas voltarei amanhã, sim. E muito bem acompanhado, amanhã
Saio devagarinho sentindo que o seu olhar me acompanha. Ah, e Deus também. Afinal, sendo um pedido seu ninguém seria capaz de negar. Nem Deus. Uma pura.
Beleza de retrato, meu caro. De textos como esse é que, um dia, reconstituirão nosso tempo.
Obrigado, mestre! A opinião é por demais estimulante vindo de você! Putabraço!