O papo é ótimo. Sempre. Depois de um bom tempo sem esse ótimo papo – estamos sempre pensando em partidas – voltamos a nos encontrar e dividir silêncios e palavras. O papo? Não poderia ser outro: música e poesia. Letras e músicas nossas e a de outros.
Assim, sem ainda conversar muito, lembramos também a vida e o perigo de vivê-la. Pois, afinal, sabemos que viver não é fácil. No entanto, sabendo-se viver, mesmo sendo difícil aprender/saber, a vida pode ser menos complicada. Vivo assim. Vivemos.
Vivendo assim não damos oportunidade para o recolhimento da poesia que está solta no ar. Passeando por aí todos os dias. Os olhos, porém, são esses que conseguem capta-la. Uns muito e outros poucos. Não sei avaliar a nossa forma de capturar a poesia e transformá-la em música. Em letras de música. Mesmo sabendo que ela – a poesia – não precisa do auxílio de outras artes para ser a arte que sempre foi e será.
E a arte poética! Ora, essa que depende muito do artista para existir. Não depende somente daquele que a encontra, torna-a visível para os olhos dos “não artistas”. Depende também daqueles de olhos secos que bebem na arte alheia. A arte, afinal, não tem dono. E a poesia, essa em especial, também.
Não existe em nossos papos medo ou censura no tratar da arte. Letras de música. Poemas às vezes. Ensaios. Um deixando a “deixa” poética para o outro. O outro chando que essa palavra combina melhor com a nota. No fim ou enfim? Não importa. Estamos sempre afim. E quando acontece de estarmos a fim, será sempre um bom começo.
Uma ilha dourada na areia vermelha? Não dá samba. Apenas mais uma música sobre o mar. Não naquela linha do mar de Caymmi. O nosso mar não tem limite! Linha? Também não a seguimos. Raul Seixas dizia que a única linha que conhecia era aquela de empinar uma bandeira. Nenhuma preocupação com a linha evolutiva da nossa musica popular ele tinha. Nesses tempos Raul morava na cidade de Thor. Moro ainda na minha cidade. A capital da Parahyba.Não tenho uma linha. Não temos. Uma bandeira? Também não. Mas temos a certeza de que assim como educação limita, uma bandeira também limitaria a criatividade.
Gil de Rosa não é apenas um bom melodista. Poeta. Letrista de música popular dos bons. São poucos os letristas/poetas que conheço por aqui. Faz tempo. Anos. Décadas que unimos letras e músicas sem a pretensão de fazer história ou que essas sejam vistas como poemas. Tenho um defeito. Confesso. Ou virtude. Fica com vocês a escolha.
Fica muito difícil – para mim – escrever somente transpiração. Soa falso. Não sou falso. Preciso quase sempre de um “objeto” para avançar nas minhas letras. Um MacGuffin. Esse que o Hitchcock usava para conduzir a maioria de suas histórias. Uma rosa. Um sonho. Um ser. Um momento. Uma pedra no caminho. Um anjo torto passando na minha rua. Um sabiá. Uma mãe ensinando o filho a comer flores. Uma sede de ceder.
As nossas letras, porém, procuram dizer o que outros em nossa condição e momento também diriam. Não escrevemos para agradar aos ouvintes nossos. Aos ouvidos deles. Os nossos! São esses em especial. Para esses escrevemos. Ouvimos a obra ainda inacabada e acabamos achando que era isso mesmo que buscávamos.
Uma obra aberta? Nem sempre. Não nos preocupamos com essa abertura. Não pensamos em abrir porta alguma. Todas as portas da e para a arte estão abertas. Todas. São muitas. É o artista que deve saber escolher por qual delas o seu corpo – e mente – entrará melhor. Sem esforço. Sem a necessidade de encostar-se nos portais da palavra. Ou da poesia. Livre como os homens nas manhãs de domingo.
Um papo sobre as letras ainda não escritas e a poesia pescada no ar sem necessidade de rede ou anzóis. Notas musicais. Letras de música. Apenas. São essas as armadilhas da nossa inspiração.