À guisa de prefácio
Dapenha – Mais um Natal sem ela. Enquanto o Júlio Iglesias rimava seu “Cu-cu-ru-cu-cu” que termina com “Paloma”, nossa saudosa Dona Chiquinha aproveitava o canto madrugador do galo da Marçal, nossa vizinha, para rimar com “lá vem o galo comendo angu”!
Aproveitei o excelente e nostálgico texto de meu amado e querido Mano Humberto de Almeida, para fazer um pequeno prefácio em homenagem a esta personagem imortal que habitará sempre em nossos corações, por sua originalidade em saber ser mãe e menina em seu tempo!
Passamos mais um Natal sem ela, que tinha todos os Natais como seu! Afinal, era o nascimento de JESUS! “Bênção minha Mãe, Dona Chiquinha! FELIZ NATAL! Ponha mais um pouco de angu em meu prato, por favor! ”
FELIZ NATAL PARA ESTE MANO ESPETACULAR CHAMADO HUMBERTO E TODA NOSSA FAMÍLIA! ESTOU LONGE SÓ MATERIALMENTE! VOCÊS ESTÃO COMIGO – Almeida. (26/12/2020)
(1berto – bem que eu gostaria de fazer um prefácio para esse nostálgico prefácio do meu bom irmão dapenha. dizer, por exemplo, que palavras escritas sobre a minha mãe dispensam quaisquer prefácios. mãe se apresenta sem palavras. por quê? ora bolas! palavras nunca dizem tudo. e muitas vezes nada dizem. tem mais: em se tratando de mãe, que dispensa palavras de apresentação, somente o silêncio, esse em que tudo cabe e através dele tudo pode ser dito, será capaz de alguma coisa dizer. ou tudo. assim, sem palavras para prefaciar o prefácio do meu bom irmão, sempre presente, deixo o silêncio dizer o que essas não foi possível. – Almeida)
A minha mãe Dona Chiquinha passou por aqui usando palavras que eu nunca duvidei que fossem suas. Eu achava que elas existiam apenas porque saíam de sua cabeça inventora de sonhos e de histórias que sabia nos contar como nenhuma outra pessoa que não fosse mãe saberia.
Se o bom Aurélio que duvido conhecer mais palavras do que ela era capaz de inventar tivesse conhecido a minha mãe, o seu famoso Dicionário estaria hoje mais rico com as palavras inventadas por ela. E se pela vez dele, ele inventou algumas, essas não foram mais bonitas e necessárias que as dela. Tem mais: se nós pobres dessa língua tão rica e dependentes da palavra para se comunicar conhecêssemos todas as palavras pela minha mãe inventava, seríamos hoje melhor entendidos no que pretendíamos dizer.
Lembro que a minha mãe gostava muito da palavra “ariado”. “Ah, que menino mais ariado!”, costumava dizer. Há pouco ouvindo essa palavra da minha mãe da boca de um paraibano arretado e nascido na cidade de Conceição de Piancó, terra da “cantriz” Elba Ramalho, não senti nenhum “estranhamento” nos ouvintes presentes. Eram todos paraibanos. Nenhum estsranhamento ou dificuldade para entendê-la. Todos entenderam.
- O menino saiu ariado (“desorientado”, assim estava o menino) do roçado.
Outra vez, lembro-me bem, ouvi a minha mãe falar em “ariar” o prato! Não estranhei. Entendi e muito bem. A minha mãe queria dizer “arear”, isto é, esfregar a panela com areia para deixá-la brilhante como um sol em estado de graça, sorrindo para o mundo. “Arear” a minha mãe não sabia. Mas o verbo era usado na prática. Um verbo transitivo que significa o ato de “cobrir de areia” e outros sentidos.
Mas não existe um sentido mais bonito e real do que esse dado pela minha mãe, aquele que tem como objetivo o de deixar as panelas brilhando como esse Sol que acabei de lembrar e vocês conhecem muito bem. Dona Chiquinha não dizia “arear” nunca. Tanto “ariado” quanto o “areado” eram pronunciados da mesma forma. Não existia diferença entre o “e” e o “i”. Nenhuma. Tudo a mesma pronúncia, mas com sentidos diferentes.
Além desse “areiado ou areado” próprio da minha mãe tinha outra palavra – “biongo” – que o nosso dicionário não tem, mas que poderia muito bem substituir o “biombo” existente e dicionarizado, significando a mesma coisa que o “biongo” dela. Agora só uma cosia: duvido que o “biombo” do Aurélio tenha nascido primeiro que o seu – dela – “biongo” .
E assim de palavra em palavra a minha mãe inventava uma língua somente dela. Ou melhor: uma língua que somente as mães são capazes de criar, e os filhos – sem qualquer esforço – entenderem o que essa língua diz.
Mas , cá com os meus botões hoje mais osso do que carne , nem essas belas palavras criadas as mães precisam usar para que os filhos entendam o que elas dizem. Mães e filhos se comunicam mesmo é através do silêncio, essa linguagem universal , capaz de caber e dizer tudo. E nós, os filhos de Dona Chiquinha, entendemos esse muitos bem.
Sinto saudades daquela língua que somente a minha mãe falava!