SE FOI UMA SURPRESA? Foi. Se fiquei triste? Não muito. Meio triste. Se for possível ficar triste assim. Pela metade. Mas não esperava que ele partisse antes da minha chegada. Partiu. E assim partindo, também partiu o meu coração um tanto já partido. Partido, cheio de novos caminhos.
A verdade que partindo ele não deixou o vazio do seu canto apenas para este silencioso MB. Isso. Apenas. Olhando para sua gaiola vazia e agora cheia de liberdade, senti pelo companheiro que aqui ficou na solidão da gaiola.
Se por um lado, o bom, ele ganhou mais espaço, imenso, infinito; por outro, olhando para o companheiro que ficou no seu limitado pelos ponteiros da gaiola, esse o ruim, senti-me enclausurado no vazio da gaiola vazia que ficou. Tudo muito confuso? Pior: sem espaço para acabar a confusão.
Sentindo o vazio do seu canto, estou cheio desse vazio. Será que o “prisioneiro” que ficou fez greve de canto? Talvez. Advérbio foi bem colocado. Talvez. A Rosa, dividindo comigo a falta do seu canto, fica de um canto a outro a perguntar pelo canto dele.
Silêncio. Silenciamos.
Foi o branco ? Nesse momento deu um branco entre nós. Sabia que ela não se referia a cor. Perguntou o “branco”, mas, sabendo de sua poesia, poderia muito bem ter perguntando “foi aquele das notas mais agudas”? Ela sabe que assim como a alma não tem cor, o canto, notas tristes ou alegres, essas dispensáveis características, dependem de quem as ouvem.
Mas sperguntou assim, foi porque o olho vivo e bonito que lhe abre a janela para o mundo sentiu a falta daquele que ganhou o espaço merecido. Conquistou. Pois, afinal, tudo é conquista. O belga branco estava mesmo era sentindo a falta do canto livre do amigo amarelo (Grrr! cor, cor, cor…cocô!) que estava preso, do parente. Eram dois os canários belgas que anunciavam as horas das minhas manhãs. E agora? E a hora?
A sua – dele –cor pinta na minha imaginação. Amarela. Essa também não mudaria nele a cor do sangue? Não. E da alma? Pausa. Alma?! Não duvido que almas eles não tenham. Duvido mesmo. Sem alma não se canta bonito como eles. E agora, esse livre, com mais espaço para sonhar, cantar, o canto será mais belo ainda.
A Rosa olha a gaiola vazia, ouve o silêncio que passa pelas grades, enche o terraço, e pergunta se o canto de um não depende do cantar do outro. Respondo não. Todo pássaro é um solista, não cantam em coral. E coro, se acontece, esse é regido pela natureza, ou seja: ela “guarda” no seu coração nada selvagem o canto de cada um, e espalha nas manhãs ensolaradas dos domingos Um não é compositor, nem o cantor ficou a nos fazer companhia.
O papo entre pássaros deve ser uma “piada”, um pio, disse a Rosa ainda. Silêncio. Uma piada é um papo entre pintos, respondo. Mas não é menos interessante, acrescento. O papo entre pássaros é feito em notas musicais, essas que por mais que tentemos, nós imperfeitos homens nunca conseguiremos escrever igual.
O papo entre pássaros, esqueci também de lhe dizer, mas digo agora, somente é entendido por aquele que sabe voar com as asas da imaginação; ser pássaro como eles, cantar sem perguntar no seu canto o que eles estão cantando, e ainda sem temer desafinar.
O espaço ganhou novas asas, e temos a certeza de que nelas também voamos! Somos todos pássaros! Todos! Agora só nos resta aprender a voar!