O meu São João sem fogueira: João Heráclito não mora mais aqui
O meu bom João Heráclito usando a camisa que deixou comigo ao trocar de roupa...

O meu São João sem fogueira: João Heráclito não mora mais aqui

 

NOTA: o meu irmão João Heráclito que há três meses trocou de roupe se mudou para outra cidade, hoje, dia de São João, estaria fazendo 81 anos de idade.

Era ele quem fazia e acendia a fogueira da família. Não era de São João a fogueira – era dele. Depois da mudança dos nossos pais para outra cidade, o Compadre Heráclito e Dona Chiquinha, ele transferiu essa “prazerosa tarefa” para a porta da minha casa. 

Os anos pesando-lhe nas costas, o andar assim meio lá, meio cá, ele lutava contra a idade para não parecer o bom e doce velho em que se tornara. E aí, os paus já estão por lá? Nada de madeira. Era pau mesmo.

A pergunta era feita ainda um tanto tímida. Por quê? Ora, o bom mesmo para ele, o filho querido de Dona Chiquinha, essa somente se referia a ele como o “meu João”, pronome possessivo que sempre colocava antes dos nomes dos filhos, era poder levar os “paus” e no local da fogueira, sem camisa, mostrando uma disposição rara entre os irmãos, cortá-los na medida certa da fogueira.

Não fiz fogueira este ano. A tradição existia, por que existia o meu irmão João Heráclito. Uma fogueira acessa na porta de casa, sem ele, não teria muito significado. Nenhum. São João que me perdoe. A fogueira era dele, de João o meu irmão.

Lembro-me que no ano passado, ainda cambaleando, a minha – ou seja, dele – fogueira foi feita por ele. Sabendo de sua fragilidade, o esperei com os “paus” quase todos cortados. Deixei alguns pra ele. Não poderia lhe dar a impressão de que a fogueira não estava sendo feita por ele. Ele não estranhou. Sabia por dentro que a fogueira de fora não mais a mesma. Não foi.  E não foi mesmo.

Aquele João Heráclito que cortava um pau para a fogueira de uma só machadada e olhava para os lados para certificar-se de que todos viram a sua façanha não era mais o mesmo. Antes, fazia questão de mostrar – era forte como touro.  Depois de umas duas ou três machadadas, descansava o machão e espera os aplausos.

Todo dia de São João – era na véspera – ia apanhá-lo na casa em que morava e de lá somente saiu depois da roupa trocada para se mudar para outra cidade.  Ele não se negava. E ficaria triste se alguém não se lembrasse que ele era o “maior fazedor” de fogueira de toda a nossa grande família.

Lembro-me que da última vez quase o chamava depois da fogueira pronta. Iria apenas acende-la.  Mas não poderia cometer esse “pecado” no seu dia. Não cometi: somente ele sabia fazer e acender uma fogueira em nossos corações.

As suas últimas palavras ainda ecoam nos meus ouvidos. Nos seus estertores, apenas balbuciando poucas palavras, ainda se fez ouvir: “João Heráclito está indo embora… João Heráclito está indo embora…”. Não sabia ele que embora ele nunca iria. E não foi.  A sua fogueira não arde hoje na porta da minha casa. Mudou-se também com ele. Mas, dessa vez, com fogueira e tudo, mudou-se definitivamente para dentro do meu peito e de seus irmãos.

Tem mais: a sua fogueia é uma fogueira a que não se apagará jamais. Olho nesse exato pra o céu. A noite de São João está mais iluminada. É a fogueira do meu irmão João Heráclito fazendo a diferença. Sempre brilhou o meu irmão João Heráclito, e brilhando continuará. Que saudade…

Em tempo: esse texto cheio de malabarismo que segue, foi escrito de uma só tirada, como escritas são todas as minhas mal-traçadas, ainda com João Heráclito vestindo esta roupa que ainda visto e morando nesta cidade em que ainda moro.

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3 comentários

  1. Como sempre, você nos surpreende com recordações nostálgicas e amorosas! O João Heráclito nunca morrerá!

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