o velho diário do (meu pai) compadre heráclito
Tenho em mãos um velho diário do meu pai Compadre Heráclito de Almeida. Nele encontrei muitas verdades e ótiimos conselhos. Um belo diário! Um velho e belo diário esse do meu velho pai! Nele vejo que sua grafia é bela. Uma caligrafia ele tinha. Nos seus tempos era assim. Nem se precisava dos velhos (ele vem de outras eras) e bons cadernos de caligrafia para se ter uma ”grafia” bonita. Essa vinha com eles. E o meu pai tinha uma.
Lembro que o seu diário – agenda, agenda – era guardado embaixo de sua cama feita de madeira-de-lei. Assim como guardado era o seu velho e pequeno dicionário de Aurélio Buarque. Pausa. A lembrança do pequeno dicionário, tenho certeza; agora se do Aurélio Buarque ou Antônio Houaiss, fica a dúvida.
No seu diário ele costumava anotar tudo o que acontecia com os seus. E o palco era a feliz casinha da Rua São Sebastiao. Foi numa época em que deixamos por alguns anos o nosso Jaguaribe, e fomos morar no bairro da Torre. História também muito interessante – para mim em espeical – que um dia ainda neste espaço contarei.
Mas como eu dizia, tenho em mãos (assim mesmo) a sua bem escrita agenda-diário, sucinta, lembrando os dias em que o meu Compadre Heráclito de Almeida ainda morava por aqui, e vestia esta roupa que ainda hoje visto. Sabia – agora sei mais ainda – que o meu pai escrevia pouco. Sabia também que tinha um poder de síntese admirável. No seu diário, os conselhos por ele escritos eram dados de forma despretensiosa. Também vejo que ele nunca citava os nomes daqueles para quem os mesmos eram dirigidos.
Na maioria dos conselhos se percebe que ele tomava alguém como exemplo, para aconselhar – sem pretensão ainda- todos os que deles necessitavam. E todos para alguém melhorar como ser humano, como pessoa. A letra parece desenhada. Isso mesmo: o meu pai escrevia com aquela letra bonita que a gente vê nas antigas cartas de amor. Leio no seu diário:
- “O que somos? Nada. Viemos do nada. E como nada passamos ainda um pequeno tempo na ilusão pensando ser alguma coisa. Depois voltamos para o nada.”
Não estranhem o pensamento do meu pai, porque eu nunca estranhei. Sem nada a ver com fato de ser o seu filho. Também vou logo avisando que o meu pai não era niilista. Ele nunca me disse nem escreveu, por exemplo, que a existência humana não tinha sentido. Pois, se assim o fizesse, convenhamos, já seria uma boa pista.
O meu pai nunca lera Nietzsche, tenho certeza. Também unca ouviu falar em Zaratustra. N’ecce homo? Nunca! Não achava, assim como Nietzsche, que a existência humana não tinha qualquer propósito divino. Apenas escreveu o que pensava naqueles dias em que os males eram outros e o coronavírus existia apenas em filmes de ficção.
Mas o meu velho e sábio pai tinha lá suas razões para assim pensar e escrever: “Voltamos ao nada“. Pausa. Agora depois de anos de sua mudança para outra cidade, vem o bom Belchior , e vaticina: “Ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais”.
Nenhuma dúvida. Estamos caminhando para o nada! Tinham razão o meu pai e o Belchior: vivo ainda como ele, isto é, como o meu pai. Pausa. E com ele também.
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2020-12-26