essa mania de espalhar
os olhos por aí.
não raras vezes secos
outras molhados
espalhados sobre
as minhas lembranças
não sou o mesmo
não somos
os rios mudam a cada segundo
flui
fluimos
no fundo o rio não é o mesmo
no fundo somos os nossos pais
mas não queremos
ser como eles
assim como eles
não gostariam que como eles
nós fóssemos
somos flechas por eles atiradas
mas o alvo é nosso
e a linha reta
nos dá a direção
se erramos o caminho
é por não não aprendemos a lição
os sapatos deles estão aínda aí
só nos resta calçá-los
assim mesmo
sujos de terra
dessa terra
onde ele pisou.
Sapatos manchados de terra
Vinicius de Moraes
Vinicius de Moraes
Meu pai,
dá-me os teus velhos sapatos
manchados de terra
dá-me o teu antigo paletó
sujo de ventos e de chuvas
dá-me o imemorial chapéu
com que cobrias a tua paciência
e os misteriosos papéis
em que teus versos inscreveste.
meu pai,
dá-me a tua pequena
chave das grandes portas
dá-me a tua lamparina de rolha,
estranha bailarina das insônias
meu pai, dá-me os teus velhos sapatos.