Por que Frank Sinatra foi visto como ‘perigoso’ pelo governo dos EUA

Por que Frank Sinatra foi visto como ‘perigoso’ pelo governo dos EUA

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Image captionGrammy Museum, em Los Angeles, faz exposição em homenagem ao centenário de Sinatra

“Perigoso” é uma palavra usada no mundo do showbiz, frequentemente para descrever alguém temperamental, que seja um entrevistado difícil ou cuja arte solicite muita reflexão.

O lendário crooner americano Frank Sinatra, que teria completado 100 anos no último dia 12, teve alguns episódios de irritação extrema e mostrou que podia ser um pesadelo quando encarava as câmeras dos repórteres, mas sua música não tinha nada de difícil. Pelo contrário, agradava multidões. Por que, então, o cantor era considerado “perigoso”?

Na primeira onda de sucesso de Sinatra, nos anos 40, seus olhos azuis profundos inquietavam tanto os pais das fãs que se atiravam a seus pés, quanto o cantor Bing Crosby.

Nos anos 30, Crosby era a voz mais popular e revolucionária do mundo da música – com seu timbre de baixo-barítono que se adaptou muito bem às gravações eletrônicas que surgiram na época.

Mas Sinatra chegou com um estilo semelhante – e nada da voz paternal e protetora de Crosby. Criado com os amigos nas ruas de Hoboken, em Nova Jersey, Sinatra assumiu o papel que Elvis Presley e vários outros tomariam para si no futuro: o do rapaz selvagem cheio de más intenções.

Recitar frases sobre corações partidos com aquele brilho nos olhos, sugerindo para cada fã que ela era a única a entender aquela alma torturada, era puro sex appeal naquele início de século 20.

 

Image captionO álbum ‘No One Cares’ expôs o lado frágil e deprimido de Sinatra

Investigado pelo FBI

O efeito da popularidade de Sinatra no público e seu passado nas ruas foram o suficiente para o FBI abrir uma investigação sobre ele nos anos 40. O arquivo chegou a alcançar 2 mil páginas e cobria suas supostas (e negadas) ligações com o crime organizado, suas visões antirracistas e políticas liberais, e seu relacionamento de campanha com Jack Kennedy.

Houve rumores de que o contrato com o instrumentista Tommy Dorsey foi rompido sob ameaças de amigos de Sinatra na Máfia, quando o crooner decidiu seguir carreira solo.

Os boatos envolviam Sinatra tanto no submundo das cidades americanas como na Casa Branca. E este era um homem com ambição e talento para subir no topo de qualquer árvore que encontrasse pela frente.

Em um perfil publicado em 1966 pela revista Esquire, o jornalista Gay Talese se refere a Sinatra como alguém que exercia o papel do “chefão”.

 

Ataques a jornalistas

A necessidade de ser famoso para ser alguém importante foi inoculada por sua mãe desde que ele era pequeno. Dolly Sinatra era uma figura conhecida de Hoboken, tendo trabalhado como tradutora juramentada, parteira, líder de ala do Partido Democrata e balconista de bares clandestinos. Ela conhecia muita gente e prestava muitos favores, enquanto desprezava bobagens. Foi esse o estilo que Sinatra aplicou na sua maneira de fazer negócios.

Generoso, o cantor recompensava a lealdade com presentes caros escolhidos a dedo – isqueiros de ouro eram seus favoritos. Ele também era meticuloso na hora de se vestir e treinou a melhor maneira de se sentar quando estivesse em turnês em ônibus, para não amassar o terno.

Assim como os melhores reis medievais, Sinatra também perdia facilmente a esportiva e era dado a alguns chiliques. Dava bronca em pessoas que não se comportassem da maneira como ele gostava – ou que fossem jornalistas.

Em 1974, ele foi proibido de deixar a Austrália após dizer que as jornalistas australianas eram “prostitutas baratas”. Só saiu quando pediu desculpas.

Amor e desespero

Mas reis do showbiz têm impérios finitos. Quando sua estrela se apagou temporariamente no início da década de 50, o único perigo que Sinatra representava era contra ele mesmo.

Seu tempestuoso caso com a atriz Ava Gardner o expôs, e seu divórcio da primeira esposa, Nancy Barbato, diminuiu sua reputação na comunidade de imigrantes italianos. Dizem que ele só foi contratado para fazer A Um Passo da Eternidadedepois de um imbróglio que teria inspirado o escritor Mario Puzo a criar a cena do cavalo na cama de um produtor de Hollywood em O Poderoso Chefão.

Dividido por sentimentos de amor, culpa e desespero, Sinatra tentou o suicídio mais de uma vez. Essa é a profundeza existencial que se pode ouvir em suas canções mais melancólicas – em álbuns como Frank Sinatra Sings for Only the Lonely e No One Cares.

É também o motivo pelo qual sua volta aos holofotes foi ainda mais sólida do que o início de seu sucesso. Sinatra não era um moleque presunçoso com alguns discos de sucesso. Ele viveu coisas, perdeu e mostrou isso.

O perigo de Frank Sinatra era também um dom que só ele tinha: a capacidade de entender as pessoas que também estiveram muito perto do fogo e que estavam tentando se reerguer

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