Ratinho

Dom Cardoso
Itabaiana vai reconhecer Ratinho

Depois que publiquei nesta coluna a frase interrogativa “Itabaiana conhece Ratinho?”, finalmente obtive uma resposta positiva; “Ratinho será reconhecido em sua terra”, respondeu-me a responsável pela Secretaria de Educação e Turismo de Itabaiana. Este contato foi feito graças a Valdemir Almeida, o Enxuto, um aposentado dos Correios e Telégrafos, muito conhecido nesta cidade, por sua militância política e também por ser primo legítimo de Sivuca, o famoso Severino Dias de Araújo.

O itabaianense Severino Rangel de Carvalho, que nasceu em 1896, era considerado um gênio do saxofone, instrumento que toca- va bem, fosse contralto ou saxealto. Também clarinetista, Ratinho deixava extasiados os frequentadores do Le Palais, a maior casa de espetáculos do Rio, entre o final do século 19 e meados do 20, ao executar seus instrumentos e fazer o impossível para músicos comuns: se- gurar uma nota só, por vários minutos, apenas para demonstrar que tinha fôlego e gabarito para tocar daquela forma. Era habilíssimo, músico, que causava admiração em colegas mais antigos da cidade Maravilhosa.

Voltando ao reconhecimento dos itabaianenses, fui convidado para fazer uma palestra sobre esse artista, que será dirigida aos estudantes secundaristas, da rede municipal de ensino. A Prefeitura de Itabaiana, segundo já fui informado, levará esses conhecimentos para o público de uma forma geral e também, quem sabe, aí poderá nascer o embrião de um memorial a Ratinho, porque ele merece. Sivuca, filho também deste lugar, é bastante conhecido no mundo inteiro.
Já Ratinho, que gravou mais de 300 músicas, entre elas “Saxofone, Por que Choras?”, que provocava delírios nas plateias, inclusive na pianista Sinhá, uma viúva com quem ele ca- sou e viveu a vida inteira, não se fixou muito na memória do povão. De outra feita, os lábios e dedos mágicos de Ratinho encantaram um músico famoso, que o elogiou. Um despeitado comentou: “Ele toca, mas não estudou música”. Resposta: “Quem toca tão bem assim, não precisa estudar partituras”. E Ratinho levou a vida, sempre alegrando as pessoas.

Não era à toa que Sinhá o chamava de “Meu índio dos Olhos Verdes”. Em Itabaiana, talvez este apelido carinhoso irá se popularizar, pois há quem disponha de um vasto acervo sobre Ratinho, para contentar o mais exigente dos pesquisadores. Por exemplo, existem os números dos saxofones que ele deixou e pertencem, hoje, ao acervo da Rádio Nacional. Seu chapéu, a coletânea de músicas – inclusive polcas e boleros, além de choros que empolgaram até Pixinguinha -, estão bem guardadas, por mim e outros, para constarem no futuro memorial de Ratinho.
Assíduo frequentador da Festa de Nossa Senhora de Nazaré, em Belém, Ratinho foi ao centro das comemorações 18 vezes. Era um devoto fiel, que não sossegava enquanto não tocasse o andor da santa padroeira de Belém – PA, embora saísse machucado na refrega com o público, pois, reconhecido pelos fãs, o pessoal o disputava à cata de um autógrafo. Conseguiram até, cortar os botões do paletó de Ratinho, para usar como relíquias. Ele achava graça nisso, mas Sinhá, sua amada esposa, não gostava e repreendia: Severino, tu tens cuidado.

Na famosa dupla formada com o nome Jararaca e Ratinho, a prosa estava presente a toda hora e de forma espirituosa. Durante um show no Le Palais, um gaiato fez voz de falsete e saldou Jararaca com voz afeminada. A dupla deu o troco: “Vôte a geladeira da gente é tão boa, que já deu até fresco!”. Menino rebelde, Ratinho costumava fugir de casa, em Itabaiana, para acompanhar as bandas. Foi de um dos mestres dessas bandas, que ele levava reguadas nos dedos, quando errava as teclas saxofonista, idem clarinetista.
É por essas e outras que insisto: tudo indica que Ratinho será reconhecido em sua terra natal, tanto quanto Sivuca e outros. Ao seu plantel de famosos, será incluído o nome de Severino Rangel de Carvalho, o fauno paraibano que enfeitiçava homens e mulheres com o sopro de deus sedutor do agreste nordestino. Que apesar de famoso, ao que se sabe, só teve uma única esposa, Sinhá. E ao lado dela morreu de mãos dadas, assistindo um programa de televisão. E que escolheu um sítio na região metropolitana do Rio de Janeiro, para virar ermitão, até morrer. Itabaiana também conhecerá um filho tão famoso, porém simples de espírito e coração, que nunca se valeu da fama para fazer mal a outrem. E que, por dedicar tanto amor aos seus instrumentos, chorou como menino ao descobrir que um gordo sentara desastrosamente em cima de um de seus saxofones, a ponto de amassá-lo e danificar. Teve outro choro convulsivo quando lhe roubaram outro instrumento, justamente o xofones, a ponto de amassá-lo e danificar. Teve outro choro convulsivo quando lhe roubaram outro instrumento, justamente o que ele mais usava e quase dormia com ele.
Quando formava dupla com Jararaca,Ratinho convenceu o amigo a irem morar no Rio. Embarcaram na terceira classe de um navio de passageiros. Insistiram em fazer um show a bordo e o comandante, quase de má vontade, consentiu. As notas de Ratinho marcaram fundo a seleta plateia de turistas endinheirados. Minutos após o show, o comandante mandou comunicar que eles se mudassem para a primeira classe.Foi um prêmio inesperado que, inclusive, lhes propor o dinheiro da passagem. Na vida e na morte, Ratinho causava surpresas, e das grandes,
Dizem que só teve uma crise de depressão com a morte de Jararaca, já que não podia visitar os locais onde o amigo frequentava, que caía em choro convulsivo. A crise passou. Mas Dona Sinhá passou a ser, além de dedicada esposa, o anjo da guarda de Ratinho, que não se sentia seguro sem a sua presença, embora, nos anos de casado que passou com ela, nunca tenha permitido que ela o visse trocar de roupa.

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