As chuvas por aqui cessaram. Mas resta pairando no céu um manto úmido de nuvens pesadas d’água. Tenho-me aqui, sobre a cama. Tenho os pés gelados – esse ar condicionado ainda me mata! – embora os mantenham enrolados em uma fina colcha que me acompanha em minhas noites insones.
Os ruídos me chegam pelos braços do ar. São vozes, músicas e campainhas. Sinto o pulsar desse coração companheiro e respiro o ar que chega e me alimenta. É isso mesmo. Não apenas o escuto porque ele não é tão somente barulho. É a desesperada tentativa de todos os egos dando continuidade à vida em superfície.
Escuto. É um vizinho discutindo com outro; a Rede Globo, subliminarmente, impondo o seu padrão de qualidade e repetindo exaustivamente que “você se vê por aqui”; é a intriga, a lamentação em cima das dificuldades e todo o mais.
Mas há o barulho que não escorre, que fica contido dentro de minha cabeça, mas que é o mesmo desespero. Vejo todo o barulho e entendo que ele existe para que se mantenha a farsa do ilusório mundo da superfície.
Assim não se dá permanência apenas ao prazer, à diversão, ao gozo. Assim, garantem-se nossas ignorâncias e desumanidades. Mantendo o ego doente, somos doentes e precisamos da dor. Então, a dor é bendita porque nos força a viver a verdade! E é preciso senti-la.
Sinto eu que aquele que já não se sustenta em superfície deve abraçar a dor. Posso vê-la como uma corda jogada para dentro, como uma ponte que nos leva para dentro do nosso verdadeiro mundo: o nosso centro, o nosso interior.
E eu já não posso dizer que ir ficando no silêncio, ficando inteiro dentro, sem pontas para fora, é permitir-se à vida. Aqui, agora, contemplo o meu dragão e suas faces e suas garras! Divido-me em dois mundos: um é silencioso em si; o outro é apenas farsa. E nela estou morto!
Do livro “O QUE ME RESTOU DO SILÊNCIO…”
.”.
Este texto é sensacional.
Parabéns, poeta!
Francci
obrigado, poetamigo! estou lendo e dizendo o mesmo sobre o excelente “os cães não veem em preto e branco”. depois falarei. putabraço!