Humberto de Almeida Eu Plural
Nesses dias cheio de tudo e menos de mim, cada dia mais cheio Dele, descobri que estou sempre três livros, dois filmes e um disco atrasados.Mas nenhum motivo para desespero. Nenhum.
Sei de muita gente que se encontra atrasada anos de livros, filmes e discos, e sem perceber que atrasada está, acaba trocando de roupa e se mudando para outra cidade mais atrasada ainda.
Mas falando no atraso dos meus livros, dessa vez atrasado na releitura, pois tenho a mania de reler alguns livros meus, está o ABC de Fausto Wolff, aquele que trata de “tudo que você queria perguntar sobre sexo, humor e política e nunca teve coragem para saber”, editado e lançando no ano de 1988, pela LPM.
Mas, esperem aí! Antes de entrar nos poréns e porquês dessa lembrança do Fausto Wolff e dos livros que a cada três ou quatro anos estou voltando para contar sobre ele, nada melhor do que deixar clara a minha admiração pelo autor, e confessar que mesmo antes desse papo que contarei a seguir, escrevi um dia que quando crescesse gostaria de ser “Fausto Wolff”.
O ABC de Fausto Wolff?
O homem era uma enciclopédia. De A a Z ele mostra no seu livro que mesmo com sacanagem sabia mais do que do julgava a vã filosofia dos muitos que o chamavam de “panfletário”. Ah, panfletário? Ora, ora, ora mesmo! Fausto nunca foi tão assumido. Mas deixemos que ele fale:
- Alguém tem de ser panfletário neste país, desde que o discurso esteja psicologicamente bem inserido na construção dos personagens. Shakespeare, Molière, Stendhal, Dostoievski e até Proust e Kafka foram panfletários. Eu escrevo com paixão e com compaixão.
No começo, podem acreditar, não foi a luz nem o verbo, mas umas mal-traçadas que espalhei no blog do amigo Anco Márcio, esse que hoje não veste mais a roupa que ainda visto e mora noutra cidade. O assunto? O seu ótimo “O Nome de Deus”.
Ah, vocês não sabem como me senti depois de ler a “saga” de Cabelinho e outras histórias. Nem precisava dizer que apesar da herança sifílica sou um sentimental. Eles, Chico Buarque e Ruy Guerra, estavam certos e certos continuam.
Pois é. Li a história de Cabelinho, o homem que nunca mentia, com os olhos mais cheios de água que a menina do Fernando Mendes. Pausa. Perdoem-me a lembrança do Fernando Mendes. Mas não começou por aí.
Anos antes, se essa memória não me prega mais uma das suas, compartilhando o meu silêncio com um colega de trabalho, esse só um pouco merecedor desse meu silencio cúmplice, pois falava demais, tomei uma decisão histórica (não riam, por favor):
- Taí, nunca escrevi para o coronel, e menos ainda para um jornalista ou escritor. Mas vou escrever para Fausto.
E escrevi.
Para a minha surpresa, a resposta não demorou muito. Em pouco tempo, pela sua coluna no O Pasquim, ele me respondia. E desde aquele dia notei que apesar do tamanho, um sujeito capaz de cansar os olhos de quem o media assim, dos pés à cabeça, Fausto era assim como este escriba: um sentimental. “Um abraço comovido”, dizia ele no final.
Não cheguei ainda no ABC, estou sentindo. Mas, como essa viagem vai de A a Z, voltando agora ao velho e bom EU PLURAL, acho que terei ainda muito tempo para isso. Portanto, explicado o porquê do atraso na minha alfabetização, volto a história que nós, eu e o Fausto Wolff , sem nenhuma pretensão, escrevemos nos poucos imeios que trocamos (epa!).
Se no Pasquim era a coluna do Fausto a primeira que eu devorava com uma fome maior que a do Caetano em relação a Leonardo di Caprio, no Jornal do Brasil, anos depois, não era diferente. Fausto está agora no jornal do Brasil? Pronto. Não deixei a Folha, mas também o Segundo Caderno do JB nunca mais. E assim, enquanto ele por ali estava, O JB não deixei.
Até que no dia 06 de setembro de 2008, o amigo Anco Márcio, ex-colaborador de O Pasquim, único jornalista/escritor destas plagas parahybanas a ganhar – merecimento puro – duas páginas nesse jornal quando esse jornal era “O Jornal” do Brasil, manhãzinha logo cedo, telefonou e deixou o recado, vez que ainda estava nos braços de Grácia Paitea- nada dele –, a mulher de Hypnos:
- Avise para Humberto que um amigo dele morreu…
Nesse mesmo dia, ao acordar procurando saber quem era esse amigo, a cabeça ainda cheia de cinema, não consegui lembrar de outro filme que não fosse o “Cinema Paradiso”, um dos meus “10mais” . Soube então que o “amigo morto” era o Fausto Wolff. E fiquei então naquela do “Ah, deixaram um recado… Um tal de Alfredo morreu…”.
Confesso que pensei ainda em espernear e acusar Fausto de fazer essa sacanagem – morrer – sem avisar a ninguém. E se o acusasse, ele sem dúvidas, mesmo morto, cairia numa daquelas suas características gargalhadas.
- Ora – disse para Anco – bolas! Como é que o cara faz uma sacanagem dessas, Anco, trocar de roupa e se mudar para outra cidade sem avisar aos amigos?!
Tudo bem que não me considerava um amigo assim tão próximo dele, como Anco imaginava. Não era. Mas, mesmo assim, apesar de saber que o Faustão andava preocupado com este país que nem todos os lava jato (epa!) do mundo seriam capazes de lavar, fosse menos sacana, mandaria, via imeio, uma vez que os guardanapos há muito deixaram de servir para isso, um adeus se despedindo dos amigos distantes.
Ah, o seu último recado? Foi justamente esse em que pedia para este escriba:
“Meu caro 1 Berto, parabéns pelo belo texto. Podias ter elogiado um pouco mais o personagem central mas fica para outra. Outra coisa: não há vantagem alguma em ser como seu pois eu não poderia ser diferente. Seria outro e deste outro não falarias com tanta bondade. Agora manda um e-mail para a seção de cartas do JB com cópia para o caderno B dizendo que eu sou do cacete. Um abraço comovido do Fausto. PS: o artigo a que te referiste saiu no JB onde tenho uma coluna diária. Nunca escrevi uma linha para o Globo em mais de 50 anos e nem permiti que a TV me entrevistasse. Burrice pura!”. – Fausto Wolff.
Em tempo: faz tempo que contei essa história. Hoje, aqui na minha ilha, volto a contar de novo.
