Há três anos. O feicibuque me lembra, mas nem precisava. O ano não esqueceria. Não sou ruim em datas. Mesmo não gostando tanto assim das coisas datadas. O dia não guardei. Por que negar? Mas nunca esqueceria aquela vez primeira – outras ocorreriam – em que ele fez questão de mostrar onde vira Dona Chiquinha.
- Ela estava assim (levantou-se para melhor nos mostrar, com os seus gestos fortes) -: cabelos branquinhos e vestindo uma roupa branquinha como os cabelos. Eu olhei pra ela, e ela sorriu! Foi aí que falei: é ela! É ela! É ela!
E era mesmo!
Terminou de falar sobre a sua “visão” – ele não gostava da definição – deixando um silêncio na pequena sala da casinha onde morava, limpa como a mais limpa das salas de cirurgia, que daria para encher o estádio daquele time alemão, convertido em sala de estar para a Copa do Mundo.
Fiquei calado. Ficamos. Nada dissemos nem precisávamos dizer. Também não duvidamos ele. Se a história fosse sobre as suas repetidas e criadas jogadas, ali com ele, mesmo assim, somente respeito e carinho, também não duvidaríamos.
Realmente João Heráclito vira dona Chiquinha, a mãe dele e a nossa. Mesmo ela não vestindo mais o seu velho e cheiroso e bonito vestido de chita e morando noutra cidade. Que ninguém duvidasse. Não duvidamos.
E mesmo não acreditando – falo por mim – em nada mais depois desse nada em que vivemos, acreditei do que ele dizia. Pausa. Vale aqui o Shakespeare. Fala, Hamlet!
- Há mais coisas entre o céu e na terra, Horácio, do que sonha a nossa vã filosofia.
Nesse dia, como vocês podem ver a seguir, sem que seja preciso tirar dos rostos os óculos do tempo, o meu bom irmão João Heráclito estava ao lado desse outro, nada menos bom Dapenha, que, para alegria minha, ainda mora por aqui, e veste a mesma roupa que estou vestindo.
Às vezes lembrar de quem não mora mais por aqui ainda dói um pouco. Outras muito. Viver de passado não é nada bom. Ninguém vive. Ou deveria. Embora também não se morra. O presente. Ah, esse é o que vale! Às vezes, porém, sem o passado, o presente se torna vazio. E, para enchê-lo, nada melhor que a lembrança desses que sempre estiveram presentes em nossas vidas.