SOCORRO! MINHA AMIGA ESTÁ NA FOSSA! NÃO PUXEM A DESCARGA!

SOCORRO! MINHA AMIGA ESTÁ NA FOSSA! NÃO PUXEM A DESCARGA!

A minha colega de trabalho, essa que por muito tempo esteve ao meu lado dividindo silêncio e economizado palavras comigo, diz que está numa fossa da gota serena. Não disse “gota serena”, mas a expressão que ela não encontrou na hora para me falar de sua fossa foi essa mesmo.

Pergunto—lhe se a sua – dela – fossa tem algo ver com os famosos problemas amorosos, existenciais. Ah, não pega nenhuma vírgula, diz-me, o seu problema é outro. Eu quase dizia o que ela não disse ou se esqueceu de dizer: o buraco é mais embaixo.

Não foi vergonha. Não censurou a expressão. Ela não tem frescura quando a expressão, por mais chula que seja expressa aquilo que a língua erudita ou quase erudita diz somente paletó e gravata. O problema, se é que é um problema, como faz questão de acrescentar, é a vida em si Ela acha que esta vivendo uma vida que não é a dela. E se for, por tudo que é de mais sagrado, pede desculpas: essa não é vida que ela merece.

Afinal, pergunto-lhe com um pé na frente e outro atrás, como era a vida que ela desejava viver e a vida que acha que merecia. Ela para, pensa um pouco, lança um olhar perdido para o acaso e diz que, se não sabe a vida que desejaria ter, uma certeza tem – não merece a vida que leva.

Não é uma questão financeira. Ah, sei muito bem disso. Tudo ou quase tudo ela tem. Sonhar? Ora, é uma sonhadora por natureza. Tento lhe dizer que esse é um mal dos tempos modernos: a pessoa não saber o que deseja principalmente depois de conquistado tudo o que uma “pessoa normal” conquistar desejaria.

Ela me diz que a “fossa” em que está talvez passe por isso. Afinal, foi tão fácil conseguir e agora ela pergunta: e daí? Ela não cita o Raul seixas, apenas pensa. Acredito. Ela é bonita, alta, morena – nunca pensou em “aloirar” – e ganha bem. Essa informação é importante: ganha bem. Mas, nesse momento em que o assunto é a fossa em que ela vive, não preciso dizer mais nada.

Seria a Tânia da Fossa? Brinco, lembrando a Tânia famosa do Pasquim. Nada disso. Ela não gosta da comparação: Tânia da vida seria melhor, obtempera. Tudo bem. Mas, afinal, por que essa fossa? Não sabe. Esse é o mal de muitos que de repente se veem entre o meio e fim. Barco sem vela, bandido na tela. Ela não entende as citações. Explico: Não raras vezes também “estou assim”.

Só que no meu caso, diferente do caso dela, nunca fico na fossa, nunca fiquei. Prefiro um poço de cerveja ou um barril de cinco, dez ou vinte anos com uísque escocês até a boca. Fossa é frescura, digo-lhe. Ele não gosta. Tudo bem. Fossa é um recinto fechado e enterrado para a depuração de águas residuais domésticas. Agora, sorri. Mas a fossa dela nada tem a ver com isso.

Ela então baixa a cabeça, espalha o seu olhar no vazio que emoldura a janela aberta da nossa sala de trabalho, e nada mais diz. Também fico calado. Mas acho que a fossa dela passa por isso: não saber como o silêncio compartilhado faz bem à saúde! Silencio com ela. E por ela. Fossa?! Puxo a descarga!

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