A chuva nos beirais de minha casa…

A chuva nos beirais de minha casa…

Por Anco Márcio – em 27/02/2009 às 23h34

A chuva caia silenciosamente dos beirais de minha casa molhando a pequena calçada. Na rua meninos seminus exercitavam a arte de nadar em poças dágua. Sapos distantes diziam que o inverno ia ser muito bom, que o tempo fecharia naquela dia e não abriria tão cedo. Eram assim as chuvas do interior.

As mulheres passavam silenciosas com seus meninos, roupas coladas no corpo modelando as curvas, semi mostrando os peitos grandes que quase pulavam pelo decote do vestido. Na rua só estava quem naquele momento não podia de jeito nenhum estar num local coberto ou quem fora apanhado de surpresa.

Um bêbado passava desenhando no chão molhado uma sucessão de passos trôpegos, uma linha sinuosa de pisadas aqui e acolá, mostrando que seu corpo meio inchado estava totalmente desequilibrado e não estava pronto para andar nem em terreno seco quanto mais em areia mole e molhada que ele pisava mal e mal pisava.

Num recanto os cachorros se enrodilhavam, e se preparavam para as temporadas de frio que com certeza viriam para lhe esfriar os ossos, lhes queimar os ossos, parecendo pedra de gelo que a gente põe na palma da mão. Um dos cachorros começou a ganir mostrando que a situação não estava boa.

Debaixo do velho sofá havia um gato mourisco também enrodilhado como a adivinhar que a chuva viria, como a saber por instinto que seriam muitos dias e muitas noites de sono para lhe perturbar o juízo. Nada faria naquele momento o gato dar um bote nem mesmo um gordo rato que por ali passasse fazendo careta.

Um casal de namorados se agarrava lubricamente debaixo de um pé de ficus, sem se importar no perigo que é ficar debaixo de árvores durante um temporal. Mas eles aproveitavam a pouca presença de gente para se abraçar cada vez mais e esfregar os corpos sequiosos de prazer.

A chuva caia nos telhados parecendo que iria quebrar as telhas, cada pingo de encher um pote, cada pingo de doer nas costas. O escritor aproveitou e foi escrever, a prostituta viu que não ia dar nada e recolheu-se. E o temporal continuou forte. Chovia muito forte, mas silenciosamente nas biqueiras de minha casa.

 

Compartilhar...Share on FacebookTweet about this on Twitter

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Required fields are marked *

*


× nove = 9

Você pode usar estas tags e atributos de HTML: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <strike> <strong>