E A BOA MOÇA MARIA DANÇAVA PARA IEMANJÁ!

E A BOA MOÇA MARIA DANÇAVA PARA IEMANJÁ!

Maria costumava dançar xangô (dizia-se assim, “dançar xangô”) às escondidas. Era uma coisa de “gente que não prestava”, diziam.   Xangô era associado a tudo que não prestava. A pessoa que dançava xangô era desqualificada.xangô dançando

 Era tudo que as crianças ouviam numa época em que o único “xangô” existente no bairro de Jaguaribe era o de Marçal. Assim mesmo. Ouvia-se, porém, “Massau”. Nada de Marçal. Somente mais tarde, crescidinho, soube que esse “Massau” aí vinha de Marcelina, o nome de batismo daquela bela e guerreira mulher 

 Massau, pela vez dela, nunca soube que o seu orixá de devoção, Iemanjá, significava “mãe cujos filhos são como peixe”. Pensando bem, lembrando a bela Massau, não acho que ela se parecia com nenhum peixe conhecido.

 Lembro-me bem que o seu Xangô – dizíamos “terreiro” – ficava no final da Rua Senhor dos Passos, quase com a esquina da Rua 12 Outubro, essa em que abri os olhos para o mundo pela primeira vez.

Nasci em casa, número 950, e esses, Rua e Número, continuam sendo. Não o trocaram como assim fizeram com alguns belos nomes das ruas do meu bairro Jaguaribe. Afinal, quem de bom senso trocaria “Rua da Paz” por um nome próprio e desconhecido por muitos? E, desde já, feio?

 Maria dançava xangô todo fim de semana. Não tinha essa de esperar o dia 2 ou 8 de fevereiro. Nunca!  E como ela achava bonita a festa baiana em homenagem a “rainha do mar”! Agora, dançar somente nesse dia? Não aguentava: era todo fim de semana.

 Assim como todos iam ao Cine Santo Antonio, o mais querido e frequentado do bairro, nos fins de semana, ela que não gostava de cinema, saía de casa de mansinho, quase às escondidas, para dançar lá para as bandas dos bairros de Oitizeiro e Cruz das armas.

 Não me lembro de verdade se Iemanjá era o seu orixá preferido. Mas que dançava, disso eu nunca me esqueci.  Rodava tanto que parecia que esse seu rodar era indispensável para que rodasse o mundo. Se incorporava algum santo? Acho que sim.

Assim era como a gente ouvia nos tempos do xangô de Massau: incorporar.  Não sabia que, no Candomblé, apenas os Orixás podiam incorporar nas pessoas. Na Umbanda? Não! Qualquer entidade pode fazer a incorporação. Aprendi também.

 Mas, como eu falava, Maria rodava como um pião daqueles bonitos feitos ali pelo seu Coelho. Até que um dia, ninguém nunca soube o porquê, Maria achando que não encontrava o que procurava numa “roda de xangô”, pendurou as saias e os lenços de cabeça. Não sei como foi, só sei que foi assim.

 Assim, desde esse dia, Iemanjá passou a ser então apenas uma fotografia na parede da memória. Na de casa?  Nunca! Maria tinha medo de que a imagem de Dandalunda, Inaé, Ísis, Janaína, Marabô, Maria, Mucunã, Princesa de Aiocá, Princesa do Mar, Rainha do Mar, Sereia do Mar ou outro nome que dessem a Iemanjá, assim exposta, denunciasse sua “desqualificada vida” de xangozeira.

Por onde andará Maria?

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