Sexta-feira é o dia em que a virtude prevarica*

Sexta-feira é o dia em que a virtude prevarica*

“Ninguém morou na dor que era o seu mal/A dor da gente não sai no jornal”.

 De quem é? Ora, do excelente compositor carioca e razoável escritor Chico Buarque de Holanda. Notícia de Jornal. Esse é o nome da composição. Mas devo uma explicação ao afirmado aí, esse “excelente compositor e razoável escritor”.

 Sou fã do Chico nessa condição de compositor. Se faz tempo? Muito. Mas, por outro lado, esse meu do compositor, tenho a certeza de que muitos estão comigo. Chico é apenas um razoável escritor. As suas obras, nesse campo, o literário, perdem de feio para as conhecidas suas do universo musical.

 Hoje,  porém, sexta-feira, um dia que para muitos começa sorrindo nas primeiras horas da manhã, como assim aconteceu também comigo inúmeras vezes, inúmeras sextas, começo falando em dor. Posso ressaltar a dor que é minha? Obrigado: falando em DOR.

 Pois é. Mas acrescento saber que essa dor em maiúsculas é passageira. Ora bolas, diria o meu poeta Mario Quintana, toda ela o é (epa!). Assim também como todos que estão nesse trem que sai da estação sem paradas no caminho. Tem mais:  não adianta a tentativa de comprar uma passagem para outra cidade que não seja aquela do final da passagem.  Será inútil. Sempre.

 Mas enquanto as coisas se arrumam dentro de mim, vou aprendendo a olhar essas que estão do lado de fora com o olhar de belas manhãs de domingo. Essas em que acordava apostando que o sol nasceria sorrindo para as aceroleiras que se abriam em flores no meu quintal.

Nessa sexta-feira, porém, não fiz nada diferente do que venho fazendo em todos os dias do ano. Sejam esses sexta, quarta ou quinta. Os outros não citados também entram nesse hábito quase mania.

 Hoje, sexta-feira, sem aquela de ocupar apenas a mente(sic), pois não é para isso que leio, amanheci com um livro na mão. Pausa.  Sou por natureza, no âmbito da literatura, como dizem alguns colegas que estudam e conhecem essa área tão bem e alguns até melhor do que eu, um cronista.  Pois é. Leio nesse exato instante uma crônica do espírito-santense Rubem Braga. Esse bom cachoeirense da mesma terra do não  menos bom Sérgio Sampaio.

 Na sua excelente crônica, essa diluída em péssimas lembranças minhas, o cronista fala sobre o amigo que não se conforma com o fato de os jornais somente trazerem notícias ruins.  Essas que para muitos, muitos mesmo, são um ótimo negócio – vendem mais que banana na safra.  

No entanto, ele, cronista somente poesia, não fala assim em sua crônica.  Ouvidos apurados para as coisas do cotidiano, ele escuta um amigo que pergunta se ” Você acredita nisso que os jornais dizem? Será o mundo assim, uma bola confusa? Onde acontecem unicamente desastres e desgraças? Os jornais é (observem uso do “Os jornais é...) que falsificam a imagem do mundo”.  

 Em seguida, num tom de revolta que se escuta nas entrelinhas, vai dizendo que se um repórter redigir   uma notícia, por exemplo, sobre o apaixonado que demora a sair de casa porque é chamado – e aceita, claro – para consertar a gaiola de um canário-da-terra e levá-la ao secretário de redação será chamado de louco.

 Infelizmente, reflito nessa sexta-feira cinzenta, esse mundo, com todo o respeito ao colega do cronista, gira assim mesmo, fora da ordem. E não duvidem. Por aqui, nesta cidade em que (ainda) moro e visto a mesma roupa de vocês, nos últimos anos e anos outros que não estão nesses últimos incluídos, a certeza maior é a de que o mal continua bom e o bem cada vez mais cruel.  

9Se acho tudo isso uma merda? Ponham merda nisso!

* Nelson Rodrigues

 

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