O Doido da Minha Rua…

O Doido da Minha Rua…

loucura bukowskiToda cidade tem o seu louco. Muitas, porém, como é o nosso caso, tem muitos. Afinal não acredito em só louco numa cidade.  Todas tem muitos.  Temos muitos anônimos. Os famosos daqui já foram cantados em versos e prosa. Todos conhecidos e referendados como sábios ou poetas.

São muitas as figuras que dizem ter convivido com eles. E gostaram. Essas acham assim meio “status” ou esse e meio terem com esses convividos. Eu que tenho conhecido alguns poucos, confesso que os achei chatos de matar de lenço molhado de suor. Mas não os nomearei. Não é preciso.

Mas em sua maioria os nossos loucos eram todos uns chatos.  O meu não. O meu “louco” era doido de verdade. Agora uma loucura doce e poética. Não vivia em bares enchendo os sacos de bêbedos e equilibristas. Não era poeta. Ah, isso nunca. A poesia que vinha dele não era escrita. Ele não fazia versos nem sabia o que era poesia. Era poeta sem saber que poeta era.   Nunca fora.

Esse  passava o dia no fundo do quintal a olhar para a lua. Da minha casa, essa vizinha, com cercas separando os quintais e permitindo que eu assistisse a tudo, a tudo  assistia e me calava. Mas o meu doido  nunca precisou de palavras. O meu xará Humberto, o doido da minha rua,  era um poeta do silêncio. Nunca o ouvi declamar um só verso seu ou de outro. Nunca o vi transformar em palavras uma inspiração.

Ele olhava para a lua e conversava com São Jorge. Montava em seu cavalo e matava o dragão. Matava não, ele não era de matar dragões. Ninguém. Pois sabia que se matasse o dragão de são Jorge, não teria mais em que se inspirar nas suas vigílias de fundo de quintal.

E assim  Humberto passava horas olhando para o céu,  e sorrindo de com as suas travessuras. Montava e descia do cavalo. Espetava o dragão e olhava para são Jorge com aquele olhar que somente os loucos tem.  Os loucos poetas! Era um olhar cheio de nada e ao mesmo tempo de tudo!

A mãe de Humberto Doido não estava nem ai.  Nunca ia ao quintal ao quintal nesses momentos seus poéticos. Fazer o quê? Se de poesia Dona Francisca nada entendia?   Ora bolas! Também nem sabia que tinha um filho poeta da lua. Isso! Humberto doido vivia no mundo da lua!

Mas ele não vivia nesse mundo sozinho, sem um só brinquedo para fazer valer a viagem. Tinha um cavalo e um dragão. Não bastasse a companhia inspiradora do Jorge que ele nunca teve como São. Era igual a ele.  Poderia até viver no mundo da terra, essa da qual ele fugia todo fim de tarde para brincar na lua.

E assim Humberto Doido povoou a minha infância!

Um dia cheguei até a pensar que o cavalo de São Jorge nunca de São Jorge fora. Foi Humberto que  o  emprestara ao “santo” numa dessas suas viagens. Subiu com ele – o cavalo – e emprestou ao amigo  Jorge!Tudo para ele brincar com o dragão. Matar? Ah, isso nunca! Humberto jamais permitiria!

Sinto saudades do Doido da minha rua. Muita. Nem sei se ele hoje é um homem “normal”. Se for que me desculpe.  O Humberto normal deve ser um desses doidos  famosos que passaram por aqui.  Sempre vou  preferir o meu doido poético. O meu Humberto Doido tinha mais poesia.

Compartilhar...Share on FacebookTweet about this on Twitter

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Required fields are marked *

*


× quatro = 4

Você pode usar estas tags e atributos de HTML: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <strike> <strong>